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Da cifra ao cifrão

Por Ihanna Barbosa

Dia 20 de novembro de 2015, a cantora Adele lança o álbum 25 e desafia toda a cultura de se ouvir música via streaming que está se estabelecendo. Ela não disponibiliza seu novo trabalho para estas plataformas. Quem imaginou que isso poderia refletir negativamente no desempenho comercial do álbum, muito se enganou. A cada semana era um novo recorde de venda quebrado e um fato curioso chamou a atenção no comportamento das pessoas que compraram o álbum no formato físico: elas não sabiam mais como usar um CD, não tinham mais sons com CD-players e seus computadores não possuem mais essa opção. Será mesmo que o formato está ficando tão obsoleto?  “Esses jovens cresceram numa era em que o disco é totalmente desnecessário, eu por ter 45 anos, não consigo compreender como é que uma pessoa se satisfaz com uma playlist”, afirma o jornalista Carlos Eduardo Lima sobre predominância dos serviços de streaming nos últimos anos.

 

O site de entretenimento BuzzFeed fez uma compilação de reações de pessoas ao comprarem o álbum físico da cantora Adele e é muito curioso, e um pouco impressionante, a quantidade de fãs que não compravam música no formato CD há 8 ou 10 anos. No relatório anual sobre o mercado da música em 2015, a britânica Adele aparece em primeiro lugar em quase todas as listas de vendas digitais, físicas e execuções por streaming. Entre os dez artistas que mais venderam CDs em 2015, a Adele lidera com 5 milhões de cópias vendidas do álbum que foi lançando faltando pouco mais de um mês para o fim do ano, enquanto os outros nove venderam juntos 5,3 milhões de álbuns. Sem dúvidas, Adele foi um fenômeno. A britânica foi responsável por uma ação que tem se tornado cada vez mais escassa: o ato de comprar CD - as vendas gerais do formato caíram mais de 10% de 2014 para 2015, como tem acontecido nos últimos 15 anos, desde o caso Napster, primeiro programa de compartilhamento de música na internet a se popularizar.

 

O formato CD predominou entre o fim da década de 80 até e o fim da década de 90, apesar dos problemas com a pirataria, a indústria fonográfica nunca havia lucrado tanto com um formato. Foi difícil para que os grandes empresários compreendessem o caminho que os consumidores começaram a escolher a partir da metade dos anos 90. O que era uma porcentagem pequena de fãs de música comprando CDs piratas, chegou a dezenas de milhões de pessoas compartilhando música livremente na internet entre 1999 e 2000. Nos primeiros anos dessa nova revolução, as gravadoras ainda tentaram barrar o crescimento da música digital, mas sem sucesso. A cultura da música digital e online estava apenas começando e hoje domina a forma como se consome música por todo o mundo.

Começa uma era de ouro

Na segunda metade da década de 80 a indústria fonográfica viveu uma nova revolução, a última que favorecia as grandes gravadoras. Era o início da era do Compact Disk, com capacidade de armazenar 80 minutos de gravação, 12 cm de diâmetro e processamento de informações a laser através de aparelhos, que poderiam ser menores e portáteis. No Brasil, o CD quase extinguiu os discos de vinil das lojas. Todas as fábricas foram fechadas ou se adaptaram para a produção deste novo formato. O CD permitia maior capacidade, durabilidade e clareza sonora. Os chiados dos discos foram eliminados e permitia mais praticidade para se ouvir música em qualquer lugar, possibilidade introduzida pelas fitas cassetes e walkman, tocador de áudio portátil desenvolvida pela Sony no final dos anos 70 e muito popular nos anos 80. A falta de qualidade de áudio das fitas permitiu a sua coexistência com os discos de vinil. O CD trazia qualidade sonora e portabilidade – era a vez dos diskmans - as fitas e os discos logo ficaram obsoletos e quase extintos ao final do século XX.

A queda nas vendas e, consequentemente, na produção de vinil abriram uma nova forma da indústria lucrar. “Muitos discos que já estavam foram do catálogo foram relançados na era do CD”, conta o jornalista musical Zeca Azevedo, “as gravadoras viram a oportunidade de vender algo que elas já tinham vendido e que já estava pronto, era só adaptar” afirma. Com a nova tecnologia do formato CD, as gravadoras puderam revender milhões de álbuns que já estavam foram de circulação, aumentar sua produção e comercializar dezenas de milhões de CDs inéditos de um único artista. Em 1991 a empresa de pesquisa Nielsen começou a contabilizar as vendas da indústria fonográfica norte-americana e a cada ano aumentava o número de cópias vendidas por um único artista ou banda. Entre 95 e 96, por exemplo, a cantora canadense Alanis Morissette vendeu sozinha mais de 11 milhões de cópias do álbum Jagged Little Pill. “Mas as gravadoras não souberam investir em novas artistas, no público e na diversidade musical”, afirma Zeca Azevedo.

Em tempos de internet

A década de 90 foi um período muito lucrativo para as grandes corporações da indústria musical. Os melhores álbuns de cada ano eram classificados de acordo aos seus desempenhos no mercado. Doug Morris, um dos empresários que comandava a indústria fonográfica nos anos 90, estudava o número de vendas de cada tipo de artistas em determinadas localidades para definir em que música apostar em seguida, gerando verdadeira fortunas para o mercado fonográfico. Foi assim que Morris conquistou diversas primeiras posições para a Warner Music Group. Todo o sistema da indústria operava em torno de vender mais e mais CDs, entretanto, foi também nesse período que as gravadoras passaram a enfrentar seu mais forte inimigo: a pirataria.

 

A popularização do CD combinado com a chegada dos computadores às casas das pessoas facilitou a cópia e revenda de músicas, com uma qualidade mediana e até boa, por preços baixíssimos. E a qualidade não era uma condição tão essencial comparado ao fato do consumidor ter acesso à música de forma barata ou até gratuita. No início dos anos 80, a indústria fonográfica também enfrentou problemas com a pirataria. Na época a questão envolvia as fitas cassetes. Os transtornos começaram principalmente com o lançamento dos gravadores de fitas para uso pessoal. O economista Alan Greenspan fez uma análise da situação em 1982 e constatou que a redução ou aumento dos preços são seriam suficientes para combater a onda de pirataria, mas uma campanha agressiva contra quem praticasse a cópia e venda de produtos não autorizados.

 

Outro fator que estava contribuindo para o crescimento da pirataria era um novo formato que se popularizava no mundo underground nos primórdios da internet. Era o MP3, arquivo de áudio compactado, que foi projetado para gravar música digitalmente em alta fidelidade acústica e com quantidade pequena de dados. Pequenos grupos de jovens que descobriam a internet na metade da década de 90 já usavam a tecnologia do MP3 para compartilhar arquivos de áudio entre si. Karlheinz Brandenburg, engenheiro alemão que liderou os estudos e pesquisas para o desenvolvimento do MP3, se posicionou totalmente contra a pirataria e o livre compartilhamento de arquivos. Por essa razão ele desenvolveu uma nova versão para o MP3 com proteção contra cópia, porém ao apresentar a tecnologia em uma reunião com os representantes da indústria - a RIAA (Recording Industry Association of America) - “Ele foi diplomaticamente informado de que a indústria fonográfica não acreditava na distribuição eletrônica de música”, conta Stephen Witt em seu livro “Como a Música Ficou Grátis”. “A indústria musical deveria ter sido mais aberta às novidades do que foi. Ela confiou muito e estava estabelecida a décadas”, afirma o jornalista Carlos Eduardo Lima. Os empresários se recusavam a entender que um sistema tão grande, lucrativo e estabilizado poderia ser ameaçado por algo tão pouco conhecido.

Os portas-cds começaram a ficar obsoletos para dar lugar a pastas nos computadores de jovens que descobriam a internet. Eram discografias inteiras de diversos artistas baixodos diretamente de pequenos foruns online. Música em MP3 tornou-se muito popular e passou longe das mãos da indútria fonográfica. Quando as gravadoras pararam para analisar o que estava acontecendo, já era tarde demais. 

Apesar do alerta do próprio criador do MP3, os representantes das maiores gravadoras pouco acreditaram na força da pirataria via internet. Eles estavam mais interessados em saber como CDs recém-produzidos estavam passando pelos seus fortes sistemas de segurança, sendo copiados e revendidos em cidades próximas às fábricas. Mas o que os chefes da indústria fonográfica não compreenderam foi que o vazamento de CDs das fábricas causava apenas pequenos danos locais e talvez atrapalhassem a estratégia de lançamento, mas na era da internet, um vazamento queria dizer milhares e a até milhões de álbuns não vendidos. Se não fosse por vazamentos diretos das fábricas, qualquer adolescente conectado à internet na Europa poderia copiar o álbum - geralmente lançando antecipadamente no outro continente - compactar em MP3 e compartilhar com algum conhecido via internet para qualquer lugar do mundo. A partir daí era apenas fazer o download do arquivo e gravar dezenas de cópias para serem comercializadas.

 

Em 1999 esta ação alcançou a outro nível. O ano foi um grande marco para a história da indústria fonográfica, quando dois jovens americanos, Shawn Fanning e Sean Parker, desenvolveram um programa de compartilhamento de arquivos em rede peer-2-peer (usuário a usuário); o Napster. O programa começou a conquistar jovens universitários em todos os campi pelos Estados Unidos e logo se alastrou por todo o mundo. Ele conectava os usuários a um servidor central para trocar arquivos no formato MP3; os usuários basicamente deixavam seus HDs expostos na rede, para que outra pessoa tivesse acesso às suas músicas em MP3. A pirataria agora era acessível para qualquer pessoa no mundo. Em seu auge, entre 2000 e 2001, o programa chegou a registrar 60 milhões de usuários. A indústria fonográfica finalmente percebeu o poder que a internet poderia alcançar.

 

Os empresários não puderam contar com a ajuda do congresso americano para leis mais rígidas contra o livre compartilhamento de arquivos pela internet. Não era de interesse para os políticos ir contra a atitude de milhares de jovens e possíveis eleitores para garantir os lucros da indústria fonográfica, sendo a assim os empresários tiveram que procurar outra saída. A alternativa foi tentar frear a popularização do MP3 e da música digital, processando a empresa de produção de mp3-players, a Diamond Multimidia Systems, e montar uma ofensiva pesada de ações judiciais contra o Napster e seus criadores. Foram 18 gravadoras processando Fanning e Parker, alegando que o Napster era responsável pela violação dos direitos autorais no compartilhamento de música de seus usuários.

 

A luta na justiça se popularizou com a entrada da banda Metallica contra os programadores. O grupo era uma das maiores bandas de rock da época e se posicionou publicamente contra o livre compartilhamento de músicas, além de também abrir uma ação judicial contra o Napster. O programa foi condenado a fechar no ano 2000, seus programadores recorrem da decisão, mas não poderia mais permitir a que seus usuários trocassem entre si arquivos ilegais, ou seja, sem o pagamento de direitos autorias. Em julho de 2001, o Napster encerrou de vez suas atividades, mas ideia de baixar música online de graça perpetua até hoje, tendo causado um impacto irreversível na indústria. “Os caras não podiam abrir mão do lucro por nada. Eu Acho que se eles tivessem feito algum tipo de concessão, no início da música digital, fim dos anos 90, quando virou uma coisa operacional, talvez não tivesse nesta situação”, diz o jornalista Carlos Eduardo. As gravadoras perderam o processo contra os fabricantes de MP3-players e o público já tinha gravado em seus computadores milhares de músicas no novo formato, mesmo sem o Napster, eles já não precisavam mais comprar CDs, bastava um programa que rodasse arquivo MP3.

 

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O documentário dirigido por Alex Winter narra a história de como dois jovens universitários criaram o software Napster, programa que mudaria para sempre o rumo da indústria fonográfica

Em 2012, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) traçou o perfil dos piratas online no Brasil. A pesquisa mostrou que 51% dos entrevistados haviam baixado conteúdo da internet sem pagar nada. Os estudos também apontam que a cultura d baixar conteúdo online está mais presente em pessoas da classe B, com alta escolaridade, entre 16 e 24 anos, do sudeste e do sexo masculino, entretanto os índices dos outros grupos não ficam muitos atrás. Ou seja, a pirataria é quase um crime universal, a única pré-condição é ter acesso à internet. Desde o iniciou dos anos 2000 a indústria tem a todo custo tentado acabar com a pirataria, chegando a processar pessoas individualmente pelo ato de baixar música, cobrando o pagamento dos direitos autorais. “Eles agiram como costumam agir as grandes corporações”, afirma Zeca Azevedo, que lembra que esta lógica industrial capitalista dominou as gravadoras a partir dos anos 70, quando grandes corporações começaram a comprar as gravadoras, que até então eram gerenciadas por pessoas que trabalhavam com música originalmente “impuseram as lógicas as corporações às gravadoras, faturar o máximo investindo o mínimo.

 

A cada ano, as vendas de CD caem ainda mais. O empresário Doug Morris, hoje presidente da Universal Music, acreditava que para combater a pirataria bastava lançar novos sucessos. Em 2015, a britânica Adele, mostrou que ainda é possível estimular os fãs a pagarem pela música que consomem e vender CDs lançando sucessos, a cantora bateu vários recordes de vendas e o jornalista Zeca Azevedo ainda lembra: “já são 30 anos, o CDs ainda não sumiu, ao contrário do que as pessoas dizem. O que temos agora é a convivência de diferentes formatos de áudio”. O modo de se ouvir música nunca mais foi o mesmo após o caso Napster. A empresa Apple, tentou apresentar uma solução para o “estrago” causado na indústria fonográfica, lançado o programa iTunes, uma loja online de música que permite o download de faixas individuais direto da internet, mediante o pagamento. A loja foi inaugurada em 2003, com 200 mil canções em seu catálogo, hoje é a maior varejista na área, com milhões e milhões de músicas à venda.

 

A ferramenta criada por Steve Jobs ajudou a reforçar a ideia da distribuição digital da música, mas não chegou nem perto de ser a solução para a pirataria. A loja iTunes só foi inaugurada oficialmente no Brasil em 2011, mas ainda com uma grande questão: como convencer o público a pagar por um arquivo digital que era facilmente encontrado de forma gratuita na internet? Nos últimos anos os serviços de streaming têm dominado o mercado da música digital. Os usuários podem optar pelas versões pagas ou gratuitas e ter acesso a um acervo de milhões de músicas dos mais diversos estilos. O streaming talvez tenha sido um momento de folego para indústria, mas que também chegou com novos problemas e ainda algumas velhas questões.

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