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Qual o valor da música?

Por Ihanna Barbosa

Spotify

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Napster

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SoundCloud

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Tidal

Tidal

AppleMusic

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Deezer

Deezer

Durante anos a indústria fonográfica viu seus números em constante queda ou apenas aumentos íntimos em alguns setores, como o vinil. Após um período de uma batalha sem fim contra a pirataria e a violação dos direitos autorais, observar um aumento de 83% no uso de um serviço legal e teoricamente rentável é um alívio para o mercado da música. Os números que permeiam as plataformas de serviço de streaming impressionam. Segundo os dados divulgados pela Nielsen, foram 144 bilhões de execuções de áudio via streaming em 2015, contra 79 bilhões em 2014. Só durante a semana da véspera de natal, a empresa de pesquisa registrou uma demanda de 7,5 bilhões de streams. Mas o que parecia ser um caminho cheio vantagens, também chega com problemas e reclamações dos próprios artistas.

 

Em novembro de 2014 uma das cantoras de maior sucesso da atualidade, a jovem Taylor Swift retirou da plataforma de streaming Spotify todas suas canções e álbuns, em seguida fez o mesmo com o Tidal e não autorizou que a estreante Apple Music usasse seu trabalho. Em julho de 2015 foi a vez do cantor veterano Neil Young se posicionar contra as plataformas, afirmando que a qualidade do áudio por streaming é a pior que já existiu. A britânica Adele, um dos nomes mais importantes da indústria fonográfica também não disponibilizou seu último álbum, 25, para streaming e disse achar o serviço descartável. Adele e Taylor lideram as listas de álbuns mais vendidos de 2015, tais atitudes só reforçam que muito ainda precisa ser resolvido para tornar o streaming adequado para todos, principalmente artistas e consumidores.

 

A música digital por streaming chegou como um caminho natural a ser percorrido pela a indústria fonográfica. Em 1982, o engenheiro de computação Dieter Seitzer, entrou com o pedido de patente para uma jukebox digital, a ideia era que os consumidores pudessem sintonizar um servidor computacional centralizado e usar um teclado numérico para pedir músicas através das linhas telefônicas digitais. As músicas seriam armazenadass em um banco de dados eletrônicos e acessadas quando o consumidor quisesse. O pedido foi rejeitado. O tamanho de arquivo de CD deveria ser reduzido a 1/12 do original para tornar a ideia possível e não havia uma tecnologia de compressão capaz de resolver esse problema na época. Foi a partir daí que começou a corrida para o desenvolvimento do formato que viria a ser o MP3, que tomaria conta da forma de se ouvir música, que possibilitaria a troca de músicas online, que permitiria que milhares de músicas fossem colocadas online e baixadas gratuitamente e ilegalmente.

Música Digital: Um caminho sem volta

Desde o começo dos anos 2000 a indústria fonográfica não teve outra alternativa a não ser investir na música digital. Steve Jobs apresentou o iTunes, em conjunto aos produtos físicos da Apple, como o iPod e o iPhone, como a alternativa legal do consumidor ter uma quantidade expressiva de músicas na palma da mão. O usuário poderia carregar dezenas de canções e álbuns digitais nos equipamentos portáteis. Quem não poderia pagar por um aparelho da marca Apple, logo teve acesso à produtos similares e com preços mais populares. A forma de se ouvir e consumir música havia mudado para sempre. “São novas formas de consumo que as pessoas escolhem e que a indústria tradicional não se adapta. Acho que a indústria fonográfica de alguma forma, chegou muito tarde”, diz o empresário Carlos Taran, autor do artigo Precisamos Falar Sobre Streaming.

 

A venda da música digital teve um crescimento lento, foi apenas em 2014 que a renda gerada pela comercialização digital de música se igualou à renda da venda física, segundo o relatório do IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica). Porém, foi também nesse ano que as vendas de álbuns digitais começaram a cair, foi uma queda de 9% em relação ao ano anterior segundo o relatório da Nielsen, em 2014. O aumento da receita gerada pela música digital está apoiado no expressivo crescimento da contratação de serviços de streaming e apesar das tentativas da indústria fonográfica de oferecer alternativas aos downloads ilegais, o IFPI estima que mais de 4 bilhões músicas foram baixadas ilegalmente só pelo BitTorrents, o que mostra que a pirataria ainda é um grave problema para as gravadoras.

 

Os músicos e as gravadoras têm buscado alternativas de divulgação para atrair e chamar a atenção do público para seus lançamentos. Em 2007, a banda Radiohead lançou o álbum “In Rainbows” no formato digital meses antes do CD, com a proposta do fã pagar quanto quisesse pelo trabalho. Sete anos depois, o vocalista do grupo, Thom Yorke, lançou um álbum solo surpresa através do BitTorrenst, no valor de $ 6 dólares. O músico afirmou que aquela era uma tentativa de recuperar o controle do comercio da música na internet. A cantora pop Beyoncé lançou um álbum visual em 2013, surpreendeu a todos os fãs ao lançar um trabalho sem aviso prévio, exclusivo pelo iTunes. O diferencial era que cada música do álbum era acompanhada por um videoclipe.


Umas das jogadas mais ousadas e que proporcionou mais força no debate sobre o valor da música na era digital foi o lançamento do álbum “Songs Of Innocence”, da banda irlandesa U2, em 2014. O trabalho foi disponibilizado de forma totalmente gratuita para todos os usuários da loja iTunes. O lançamento surpresa atingiu 500 milhões de pessoas em 119 países, simultaneamente. A ação gerou diversas polêmicas, começando pelas acusações de invasão de privacidade, visto que a Apple impôs um álbum na biblioteca digital sem autorização de seus consumidores e sem a alternativa de excluir as músicas.  Estima-se que a banda recebeu $100 milhões de dólares da empresa pelo lançamento exclusivo, o que colocou em dúvida a legitimidade do formato de lançamento.

Milhões de música na palma da mão

O projeto do engenheiro alemão Seitzer para sua jukebox digital em 1982 contém a essência do que as plataformas de streaming oferecem hoje. O streaming é um fluxo de dados que ocorre de forma instantânea. As informações podem ser acessadas pelo o usuário, mas não ficam armazenadas na memória de seus computadores. A distribuição de dados é feita pela internet e é reproduzida conforme os usuários recebem o stream, por isso exige uma conexão de banda larga rápida e de qualidade. Se acontecer algum tipo de interrupção na rede, o serviço de streaming também para e por essa razão os arquivos transmitidos são comprimidos, para que assim se use o mínimo de banda larga possível, mas por consequência a qualidade também acaba afetada. Esse tipo de plataforma reafirma o processo de desmaterialização da música, que se iniciou com a popularização do Napster.

Em meio as mais diversas e criativas formas de se vender música digitalmente, os serviços de streaming chegaram como fonte de esperança para indústria fonográfica. Em 2007, um jovem francês de apenas 23 anos lançou o primeiro serviço de streaming de música, o Deezer. Em seguida vieram outras empresas, como Spotify e o Rdio, mais recentemente, a Apple Music e o Tidal. Essas são as principais plataformas, entre as dezenas de empresas que oferecem o serviço de streaming atualmente. No Brasil, se destacam as nacionais Pleimo, Plaay e o Palco MP3, que trabalha com a divulgação de bandas independentes. Por aqui, os streamings já representam a maior parte do faturamento da música digital. Segundo dados divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo, os serviços de streaming são 51% do mercado da música digital no Brasil, seguido pelos serviços de download, como o iTunes, com 30% e os ringtones com 19%. “A sinergia entre o mercado de streaming, as operadoras de telefonia móvel e o uso crescente de smartphones com acesso à Internet, criam condições mais do que favoráveis para que este setor continue crescendo significativamente”, afirma Paulo Rosa, presidente da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), no seu relatório anual de 2014.

 

Em junho de 2015 o serviço de streaming Spotify chegou a marca de 20 milhões de assinantes e 75 milhões de usuários no total, em novembro do ano anterior eram 12,5 milhões de assinantes, um expressivo aumento. “O streaming oferece uma variedade de música, milhões de músicas nas mãos das pessoas, bastam ter curiosidade para investigar, ou seja, sair do mainstream”, diz o jornalista Zeca Azevedo. Cada uma daquelas maiores empresas de streaming, disponibilizam cerca 30 milhões de músicas para seus usuários e podem ser acessadas de forma gratuita em algumas empresas ou por assinaturas mensais com os custos em torno de R$15 reais. A músicas podem ser organizadas em playlists de acordo com a vontade do consumidor, que nas contas premium ainda podem salvar as músicas para ouvir offline.

Quando Taylor Swfit retirou suas músicas da plataforma Spotify, a empresa organizou a playlist" Come back, Taylor," em que os nomes das músicas formavam uma mensagem para a cantora: "Hey Taylor, we wanted to play your amazing love songs and they're not here right now. We want you back with us and so do, do, do your fans" (Hey Taylor, nós queremos tocar suas incríveis canções de amor e elas não estão aqui agora. Queremos você de volta com a gente e seus fãs também)

Modernizar o presente é uma evolução musical

Mas ainda faltam alguns esclarecimentos sobre o modelo de negócio das empresas de streaming. Os artistas estão constantemente reclamando das taxas recebidas pelos serviços. Carlos Taran, que já trabalhou com grandes nomes da música nacional, como Titãs e os membros da Legião Urbana, escreveu o artigo "Precisamos Falar Sobre Stremings", onde expõe alguns impasses deste tipo de serviço. “Eu acho que o streaming tem muito mais vantagens que problemas. Isso é importante. Mas tem problemas”, diz Taran, começando pela falta de transparência em alguns dados. “O artista está dispondo o seu patrimônio e a prestação de contas que ele recebe é parcial. A que eu tenho aqui é da Legião Urbana. Tem o tanto de vezes que a música foi tocada, mas eu não sei quantas músicas no total foram ouvidas no total daquele mês”, conta o empresário. O total de músicas que foram tocadas por streaming é um fator importante no momento de calcular o repasse do artista, mas as empresas informam apenas quantas músicas do próprio artistas que foram executadas.

 

Quando Taylor Swift retirou suas músicas da plataforma Spotify, sua queixa foi justamente em relação a remuneração dos artistas e sobre o impacto desses serviços nas vendas de CDs. Em entrevista ao Yahoo Music a cantora declarou: “eu não estou interessada em contribuir com meu trabalho para um experimento que eu não sinto que compensa justamente os compositores, produtores, artistas e criadores de música”. Como justificativa o Spotify informou que 70% da sua receita é repassado para detentores dos direitos fonográficos, mas sem todos os dados usados na equação para chegar ao lucro do artista, não é possível saber ser os pagamentos estão sendo feitos de forma justa. “Tem artistas com milhões de audições e o dinheiro que eles recebem é uma mixaria. Aqueles artistas veteranos que já venderam milhões de álbuns no passado, agora tem que voltar e fazer shows, porque é de onde vem o dinheiro. E os artistas novos tem que botar a música na internet e brigar pela atenção do público”, afirma o jornalista Zeca Azevedo. “Eu acho que é uma forma de tratar música muito superficialmente”, diz Carlos Eduardo Lima. O portal G1, em reportagem sobre o serviço de streming, chegou a estimar uma média de R$ 0,003 gerada por cada música tocada no Brasil.

 

O segundo problema apontado por Carlos Taran diz respeito à forma de distribuição. A receita gerada pelas plataformas de streaming é derivada das assinaturas e da publicidade investida nas empresas. Taran levanta uma questão a respeito da renda gerada pelas assinaturas: “acho que o dinheiro que pago por mês deveria ser distribuído entre as músicas que eu ouço e isso não acontece em nenhum dos serviços”, afirma. As plataformas seguem a lógica de pagar mais para os artistas mais tocados, independente se estão entre os mais tocados por assinantes ou entre quem utiliza o serviço gratuito. Ou seja, pelos serviços de streaming os fãs não conseguem apoiar os artistas de sua escolha de maneira direta. No livro “Como a Música Ficou Grátis” o autor destaca que quem usa de serviço de streaming tendiam a parar de baixar músicas ilegalmente, mas também não compra mais álbuns nem digitais nem físicos.

Além das dúvidas geradas em relação aos lucros e rendimentos obtidos pelos músicos através das execuções por streaming, há outra questão muito importante a ser resolvida; antes de chegar ao artista, o dinheiro ainda passa pelas gravadoras. No seu artigo, Taran explica a distribuição passo a passo, demonstrando a má remuneração dos artistas e como as gravadoras ainda detém a maior parte dos lucros. “As gravadoras e os serviços de streaming deveriam ter um relacionamento muito maior com artistas do que eles têm. A gente não pode esquecer, que no caso do streaming, por contrato, ele quase não fala com os artistas, ele fala com as gravadoras que representam os artistas e eu acho que as gravadoras falam muito pouco com os seus artistas. Às vezes falam línguas diferentes”, afirma Taran.

 

Em uma tentativa de tomar o controle da situação, o rapper Jay-Z adquiriu no começo de 2015 a plataforma de streaming Tidal, com o objetivo de atender aos interesses do próprio artista, além de oferecer as músicas em alta qualidade. O serviço está presente em 31 países e não disponibiliza a versão gratuita. A assinatura do Tidal também é um pouco mais cara que seus concorrentes, com custo entre US$10 e US$20 por mês. A plataforma preza principalmente pela qualidade sonora, mas não teve uma forte adesão e muitos reclamaram dos altos preços, o que mostra que as pessoas ainda não estão dispostas a pagar pela música que consomem, podem até diminuir o número de download ilegais, mas também não pretendem gastar com os serviços de streaming.

 

De acordo com os últimos números divulgados pelo Spotify sobre os usuários, apenas 25% do seu público paga pelo serviço. Uma das primeiras e maiores plataformas de streaming, a Rdio, decretou falência em 2015 e encerrou completamente seu serviço em dezembro do mesmo ano. “É um cenário muito adverso realmente para música”, diz o jornalista Carlos Eduardo, “é uma crise cultural que a gente está vivendo. Não há como mudar o momento da sociedade e a arte está espelhando [esse momento]. Hoje, a sociedade é consumista, superficial, e a música reflete essa sociedade. Isso não tem como evitar”, completa.

Ainda há muito o que debater sobre os rumos da indústria fonográfica e as mudanças provocadas pelas plataformas de streaming. Este é um momento de mudanças em todos os aspectos que envolve o mundo da música, seja para o consumidor, para o artista ou as gravadoras, todos estão buscando e lutando pela melhor forma de se produzir, vender e ter acesso ao trabalho artístico. Em meio a tantas mudanças, o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) tem buscado na justiça a cobrança de direitos autorais para as músicas disponibilizadas via internet. “O Ecad não tem nada o que fazer no streaming, nada!”, decreta Carlos Taran. O crescimento do uso de serviço de streaming tem sido um pequeno alívio para a indústria fonográfica, depois de quase duas décadas tentando combater a pirataria, mas por enquanto, muito ainda precisa ser trabalhado para que o streaming seja uma alternativa viável para todos os envolvidos, principalmente músicos e fãs.

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